domingo, 19 de setembro de 2010

POEMAS SOLTOS - 1


1.

Ainda que procure a eternidade beijando o papel com
pensamentos, fechando as palavras em capas vistosas
e títulos sonantes, para que alguém fale com elas; ainda
assim, também eu e elas estamos sujeitos ao esquecimento
que o tempo lança sobre as coisas.
E se hoje são verdade e cantam o momento,
hão-de perder a sua arrogância — a evolução continua
e o papel estagna apenas o… — Agora!

2.

Tenho pena do que escrevo — o silêncio diz mais
e melhor através do som dos ecos que te entram
pelos olhos, enquanto me bebes e apalpas
na mesma cama. Se frente ao espelho a tuas letras
se abrissem, mais um coração bateria nas mãos
do tempo! Há que chorar e rir e, depois do parir,
há que criar e fazer florir — nem que seja a dor!

3.

O tempo voa no mesmo compasso em que a morte
caminha na avenida dos nascidos. Foge entre os dedos
em cada sopro, ou batida de coração. Rega-se
nas veias da vida sequioso de eternidade. Não fecha
os olhos e a todos cobre na mesma toalha de vermes
onde derreto o que sou. Mesmo as palavras
esvaecer-se-ão no mesmo compasso em que as folhas
amarelecerão e ficarão caladas no eco de consciência…
— Para o bem ou para o mal? — Não sei!

4.

Ainda o peso dos dedos na areia fina e o mar
a sussurrar o sal às nuvens brincalhonas de Outubro.
Entre os círios do rosto — a espuma de onda
rebentada em meu corpo pela agitação do vento
de teus lábios. Os ecos, a entrar pelos olhos,
caem na borda da praia, arrastados pelo interior
da paixão da água sobre seu leito de areia
pingando nos ouvidos.

5.

O medo: essa coisa de não confiar
aos dedos os pensamentos
nem a estes o coração. — O medo!

Será que ele também ama a liberdade?…

Às vezes penso eternizar-me no que escrevo.
Haverá uma moda para o que digo?, sim. Acredito!
Mas passará como todas as modas da história da razão.
— Merda!

6.

Ainda que todas as faces da Verdade fossem minhas,
teria medo do que penso, do que digo, do que faço;
pois que também eu vejo as coisas através do meu sol.
E será que ela é maior do que a dos outros? E se o fosse,
não aumentaria as minhas responsabilidades — pois que
conhecendo-A me é exigido dá-lA a conhecer.

De facto, sou o primeiro obstrutor da Verdade.
Mondo-A seguindo os meus desejos —
os meus propósitos — em vista aos meus fins.
Na notoriedade julgo-me deus!; mas apenas existe
um Deus e só Ele sabe o porquê do Caminho
para onde me atira — que hei-de forçosamente seguir,
embora, às vezes, pense que não!
— E lá chegado, dentro da minha circunstância, que dizer?!

7.

No esotérico conhecimento das coisas que aborrecem,
cai o tempo na vaidade, atiro a melancolia pró papel
com azedume e o amor com toda a luz
das prostitutas de viela — taberneiro que sou
servindo ambiguidades às mão cheias…

8.

Como bombeiro tapo o tempo com a ponta
duma mangueira jorrando — sem respostas
verdadeiras — o sol dos momentos
em que as mãos tecem o conforto,
as ideias, os sentimentos.

Embalo o tempo ao sabor das chamas
que me corroem. No interior duma panela
de caldo — as batatas grelam nas hortas
entre trovoadas e apertos de terra morta
que nem o estrume consegue alimentar —
ainda assim, teimo as verdades que me parecem luz
e, sofregamente, atiro às pedras a incompreensão.
Talvez um dia saiba parar, reflectir e dizer:
— Também eu borro de nada uma folha de papel,
deitada em teu corpo!

9.

Ainda que soubesse escrever com singularidade,
que importaria isso, se não leva a alma nem o corpo
como estandarte? — Beijo as pedras como quem beija
cães cobertos de peçonha e sigo rumo a um veterinário
artístico sujo de tinta — reflexo de alma em cada tela
da “arte” que vou compondo.

Pudessem as letras advogar e as palavras julgar
os actos de escrita e há muito estaria enclausurado,
com guardas severos guardando as portas
por onde saem as prostitutas do pensamento!

10.

E quando a minha caneta acabar, compro outra, prometo!
Sem borrar papel não vejo o sol, nem a beleza das nuvens
quando choram a neve que me leva contra os muros da berma.

É assim mesmo, mando compor o carro ou compro novo.
Sem andar à deriva é que não posso e não acredito em porto
seguro entre as palavras que me asfixiam por dentro
e aquelas que me fazem extasiar na panela onde se coze
mais um pedaço insosso da vida que caminha ligeira
para os braços da terra húmida — que não se importa
nem rejeita a carne putrefacta, antes a consome…
às gargalhadas!

JFráguas – Poemas Soltos 1, 2008.

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