domingo, 19 de setembro de 2010

Corpo e Letra

As hastes lisas dum corpo de letra,
a minha máquina de escrever antiga
não tinha tecla de «return» era o braço
que puxava o rolo ao começo e dava
o espaço de entrelinha no mesmo
movimento.


Entre o avantgard e o futura
um toque de mar buliçoso
agitava o ramo nas horas
de sono. Verdeal primavera
adormecida entre comas.


Se Gutemberg soubesse
que o encostar das letras
era abri-las à profundidade
da boca — máquina faminta
que me levas as cores
mais apetecidas
para o jardim —, a brancura.


Um criador de corpos
é um artesão. O lápis
toca o papel com a mesma
precisão, as mãos a haste.


Há corpos formosos como modelos
de revista especializada em moda.
Hastes esguias a pedir o mel
dos rolos de tinta.


O desenho nos olhos —
um times perdido
no caixotim do universos.
A pinça suga a letra
e repõe o desenho no prelo.

JFráguas — Corpo e Letra, Agosto 2008.

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