Chegam às minhas mãos riachos
ribeiros e rios
a desaguar na ponta dos dedos.
São eles que trazem do meu peito
os segredos e os estendem
no varal onde pousas os olhos.
Os mesmos que dão voz
ao silêncio e ás fontes
que encontras no caminho
quando espreitas meus ecos.
2.
A brisa passa pelos dias
como as marés pelas praias
e tudo é refresco no jardim
onde somos crianças descalças
em busca do trevo da sorte
até que a noite nos afaste.
3.
Para ti criei estes versos
no doce dançar da lua
com letras bordadas a fogo
derretendo-se na pele nua
as águas de meu corpo.
4.
Já eras antes e eu sabia
o sabor da maresia
a embriagar-me os dias
de desfolhada.
Já antes passavas
o serão nos meus olhos
a queimar-me o sono.
Agora adromeces-me
no teus olhos, embalas-me
nos ramos
onde tecemos o ninho
dos corpos
prá noite.
5.
De tão antiga que é
nem sempre tem força
e não visita todos os anos
o nosso jardim.
Veio alva e fria.
Ficou mais do que um dia
a saborear a estrada.
Tão lenta como caíra
foi-se da nossa retina
a neve que nos deu vida
no fogo da madrugada.
6.
A noite veio turvar-nos os olhos
e rasgar-nos como os silvados
do parque junto ao lago dos cisnes.
A manhã chegou com sabor a poeira
sem sede, sem respiração
correu o dia.
E a noite caíu sem o véu
a cobrir a terra do meio dia
onde o mel jorrou.
7.
Restam-nos os dias vagabundos
e as mochilas peregrinas
onde levamos as horas da noite
até à tenda
na relva armada.
Como pastores tocamos
uma melodia a duas mãos.
Como verões
amadurecemos os frutos
dos corações fatigados…
depois do orvalho
a manhã respira.
8.
Pois não. Não, não vamos agora
atirar ao inverno
o celeiro.
Agora
os frutos estão maduros
suculentos
de pele lisa e elástica.
Amanhã
pode ser que apodreçam
aqueles que não comermos
só esses
os outros
não…
9.
Com o silêncio nos olhos
pedes-me palavras
ou apenas um nome
que ilumine
e arda
toda a noite
no branco de linho
deitado
o poema pede-me um nome.
10.
A chama foi descendo
e ficou brasa
a queimar o desejo
com asas
de pomba negra
chega a sede
aos lábios
do poema
sem moldura.
11.
A primavera demorou-se um pouco mais
no regaço da terra.
Como abelhas
bebíamos o polén dos dias
à luz das estrelas.
Crescemos
sem aprender
a força dos verso
que escrevíamos nas folhas.
12.
Se a brisa te sacudir as pétalas
abre-as
é o verão que chega
à fonte
sequioso
no perfume do teu botão
dorme
a madrugada.
13.
Os jacintos saíram para a luz.
Como dentes,
rasgaram as gengivas da terra
e o silêncio.
As flores têm seu tempo
de chegar, perfumar e partir
de regresso ao sono.
14.
Os olhos fogem da luz
são nuvem,
sombra…
Fazem-se silêncio
e água em fio
a cair na selha dos lábios.
No rebordo
gorgulhos
traçam o leito do rio.
15.
O trevo acaricia-te os pés
no repouso.
O mar
rouco
chama-me à digestão das horas
em teus lábios.
Voo —
não sei se como pombo ou gaivota —
para os frutos do teu decote.
Impetuoso rio nas entranhas
desnuda as sementes
a madrugada
e o cantar morno do pássaro.
16.
O verão chegou no azul —
como copa a cobrir-te
o meio da página.
Deitado
o rio leva o segredo
para além da foz.
Ficaram os salgueiros
vergados
pelo suave peso da noite.
As estrelas ainda são as mesmas
a iluminar a corrente
onde deitamos a voz.
Voltamos?
17.
Amo o jardim e os segredos
do búzio assobiados aos sentidos
no vendaval do teu corpo.
Os beijos que afogam
os montes
e as águas que batem nas pedras
impetuosas.
A falésia inteira
transborda
a animalidade das carícias.
A porta aberta —
doação do corpo —
à luz molhada.
18.
Como seios erguidos
das profundezas da terra
os jacintos
dormem no colo do dia
mamando da noite
a frescura matizada
das folhas.
19.
Ainda são apenas lâminas
a cortar o vento em bifes de sol
grelhados
no espeto da aurora.
Estes jacintos
apontam o céu
rasgado
à entrada dos sonhos.
JFráguas – Afluentes, 2008
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